Em tempos de pandemia, que nos obriga, ao menos moralmente, ao isolamento social, há um sentimento que certamente aflorou em muitos: saudade. Várias pessoas já devem ter ouvido que damos valor real a alguém ou a algo quando o perdemos. Moralismos à parte, a percepção da ausência é, de fato, uma grande alavanca para percebermos determinadas coisas e o que realmente nos importa.
Nos últimos meses, muitas foram as queixas sobre a falta que faz estar com esse ente querido ou aquele amigo com o qual partilhamos a vida, as celebrações religiosas e os encontros fraternos de naturezas diversas.
É verdade que as tecnologias ajudam a minimizar o impacto, porém, o acesso não é igual para todos e, mesmo no melhor dos cenários, o contato virtual não consegue substituir os encontros presenciais. Nossa vida é sacramental e a pandemia ajudou-nos a captar isso com mais clareza. Temos necessidade do toque, de olhar no olho, de dividir a mesa etc.
No entanto, o grande ponto positivo de tudo isso foi exatamente a ocasião para obter esta percepção: o que pode parecer corriqueiro, e feito quase que automaticamente, tem um espaço em nosso coração que talvez não imaginávamos.
O poema “Ausência” de Carlos Drummond de Andrade parece exprimir bem esse processo de tomada de consciência: “Por muito tempo achei que a ausência é falta. / E lastimava, ignorante, a falta. / Hoje não a lastimo. / Não há falta na ausência. / A ausência é um estar em mim. / E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, / que rio e danço e invento exclamações alegres, / porque a ausência, essa ausência assimilada, / ninguém a rouba de mim”. Assimilar a ausência! Deixar que ela nos envolva com sua pedagogia e nos revele quem somos, de quem e do que gostamos, e o que verdadeiramente nos faz falta.
Quando, aos poucos, formos retomando nossas atividades, é bem possível que as retomemos com um prazer imenso não simplesmente por retomá-las, mas, porque as retomaremos mais conscientes, despertos para algo que antes era sutil.
Essa vida complexa e misteriosa é assim: oferece-nos oportunidades ímpares de crescer até mesmo, ou principalmente, diante dos desafios e situações não muito agradáveis. O que perdemos e podemos recuperar pode ensinar-nos, e muito, sobre o que podemos perder e não mais recuperar. Por ora, prestemos atenção às palavras do sábio: há “tempo de abraçar e tempo de se afastar dos abraços” (Ecl 3,5).
Padre Éverton Machado dos Santos, Presbítero da Diocese de São José dos Campos, pároco da Paróquia São João Batista, em Jacareí